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sexta-feira, 26 de julho de 2013

ODOR DE ROSAS

No escritório

Edgar estava sentado em sua cadeira giratória diante da escrivaninha. Os pensamentos corriam pela sua mente. Já estava decidido. Não era uma decisão baseada na mágoa ou no desespero. Era sim, resultado de uma análise serena da realidade. Estava cansado.
Ele morava com a mãe e a esposa num amplo apartamento em um elegante bairro de São Paulo. A mãe e a esposa eram muito parecidas em vários aspectos. Bem diz a psicanálise, que o homem se relaciona com mulheres semelhantes à mãe.
Seu único afeto e preocupação era Spike, um vira-latinha que ele resgatou ainda filhote de um esgoto. Estava voltando para casa, quando avistou o pequeno tentando escalar a margem do rio e escorregando. Ao ver esta cena, apiedou-se e estacionou o carro para tirá-lo dali. Isso já tinha um ano e Spike havia se tornado um belo cão de porte médio e pelagem brilhante.
Edgar travou uma briga séria dentro de casa para manter Spike. A esposa e a mãe não queriam o pequeno. Por elas, ele seria abandonado mais uma vez.
Também sentia saudade de seu pai que fora assassinado num assalto. O bandido abordou e ele reagiu. Depois disso, tirou porte de arma e comprou uma pistola para se defender.

No salão de festas do prédio

Dona Marta estava presidindo uma reunião de senhoras do condomínio. Elas discutiam a decoração do hall de entrada. Precisavam decidir se os vasos de porcelana ficariam do lado direito ou esquerdo da portaria, se o espelho ficaria em frente ao elevador e o uniforme dos funcionários do prédio. Ela nem notou que Edgar chegou mais cedo em casa e estava no escritório há mais de uma hora.
Num intervalo da reunião, Dona Marta pediu a um dos funcionários para lavar a entrada de seu apartamento e depois passar "bom ar" porque Edgar tinha passado por ali com Spike no dia anterior. Ela tinha nojo de animais; segundo a psicanálise, pessoas assim, inconscientemente sentem-se impuras e sujas e projetam isso no animal.

Na joalheria

Melina estava na joalheria escolhendo uma jóia para compor seu visual para ir à festa dos Silveira Borges no próximo fim de semana. A atendente, muito educada, mostrava as finas peças da loja.
Ela tinha deixado o carro no lava-rápido ao lado para fazer hidratação e uma desinfecção por dentro. No dia anterior, Edgar tinha transportado Spike no carro. Ela também tinha nojo.

No escritório

A preocupação de Edgar com Spike havia cessado. Com ajuda da funcionária da Pet Shop, ele encontrou uma família de gente boa e honesta para adotar Spike. Eles se apaixonaram por ele. Edgar o entregou à família com um nó no coração, mas era necessário. Dona Marta e Melina poderiam fazer algum mal a ele.

No elevador

Depois de terminada a estafante reunião sobre a posição dos vasos e a estampa do uniforme dos funcionários, Dona Marta estava subindo ao seu apartamento. Chegou na porta e sentiu o cheirinho do bom ar, o funcionário fez exatamente como ela pediu.
Entrou em casa satisfeita e foi direto à televisão. Não percebeu que Edgar estava no escritório.

No carro

Melina escolheu uma bela jóia e estava voltando para casa em seu carro hidratado e desinfetado. Ao entrar na avenida principal, o trânsito estava parado, polícia, ambulância. Os policiais sinalizando. Quando ela passou pela ambulância, sem querer, viu o cadáver estirado na calçada, olho arregalado de susto e dedos crispados. 
A mandíbula estava cerrada e tinha um buraco vermelho no meio do peito. E ela, tão fofinha, vendo aquilo. O cadáver duro e trincante estirado na calçada sob as luzes do giroflex e os sons das sirenes.
Ela gritou dentro do carro fechado, blindado e hidratado.
Logo chegou em casa, ufa! Foi direto ao cofre guardar sua nova jóia.

No escritório

Edgar tirou a pistola da gaveta e a manuseou; estava carregada. Sabia qual região do cérebro era fatal. Não podia errar. Colocou para tocar Robert Johnson. Levantou-se, andou um pouco, pegou um retrato do pai e olhou-o bem. Foi na janela, observou as luzes. Voltou à cadeira, sentou-se e apontou a arma para o alvo certo. Venceu todas as barreiras do instinto e do medo. Atirou.

Na sala

Melina e Dona Marta ouviram o disparo. Um só disparo. Veio do escritório! Encontraram Edgar debruçado sobre a mesa e o sangue escorrendo. Gritaram. Dona Marta desmaiou. O cheiro de pólvora com sangue inundou tudo e ficou impregnado nos objetos.

No enterro

Melina e Dona Marta jogavam punhados de terra sobre o caixão que ia baixando na cova. Depois foram embora de braços dados. Agora não tem mais preocupação com o mau cheiro de Spike.


Texto de minha própria autoria.

Um comentário:

  1. Oi Elaine! Parabéns pelos textos são ótimos. você
    deveria postar mais.

    Abraços

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