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sábado, 18 de janeiro de 2014

COMPAIXÃO X EGOÍSMO



Por que a nossa sociedade é tão insensível aos animais? Segundo os dicionários, a palavra Compaixão significa pesar que se sente pelo mal alheio, sofrimento comum, comunidade de sentimento, sentimento de simpatia e identificação com quem sofre ou tem dificuldades.
Observando cães e gatos abandonados, largados à própria sorte ou correndo atrás do carro que o largou, me bate um enorme sentimento de compaixão por aquele pequeno ser, que não pode se defender, não pode argumentar nem pedir socorro. E me vem como uma avalanche um pesado sentimento de vergonha pela minha espécie. Estou citando cães e gatos porque eles são os mais freqüentes no nosso meio, mas há vários outros que também sofrem na mão do ser humano. A crueldade é bem variada.
Quem abandona sempre apresenta os mesmos motivos: "vou viajar", "vou mudar", "o cachorro dá muito trabalho", "o cachorro tira sua liberdade" e uma infinidade de argumentos banais que provam de maneira irrefutável a incapacidade, o egoísmo infantil, a irresponsabilidade e uma profunda covardia.
É preciso lembrar que quando surgiu o ser humano neste planeta, os animais já estavam aqui há muito tempo. Eles nos ensinaram a sobreviver no meio. Depois, nós os domesticamos, os tiramos de seus habitats para viver conosco e nos ajudar. E agora não podemos mais cuidar deles???


Isso é sintoma de uma sociedade doente. Os abrigos estão lotados por causa disso. Não, não há vagas. Não, ele não se "vira" sozinho na rua. Não, não há ninguém para pegá-lo na rua.
Se a pessoa ainda se acha no direito de fazer o que quiser com seu animal, então responda às seguintes questões:

Por que você fica irritadinho quando seu filho sai mais cedo da escola porque não há professores?

Por que você reclama se é mal atendido no hospital porque não há médicos?

Por que você xinga o lento sistema judiciário?

Por que você se sente injustiçado se o patrão não paga corretamente?

Por que você classifica as operadoras de telefonia como ruins?

Por que você se enerva com o preço e as condições do transporte público?

Por que você enlouquece no trânsito?

Por que você se acha roubado pelas altas taxas de juros do cartão de crédito?

Por que você fica tristinho(a) quando seu time é rebaixado?

Por que você morre de medo da violência?

Por que você fica intratável se a cervejinha não está gelada e o churrasquinho no ponto?

Por que você fica sem rumo quando não tem uma festança para ir?

Por que você se sente enganado pelos políticos? pelo sindicato? pela comunidade religiosa?

Por que você fica revoltadinho contra sua família se eles não reconhecem TUDO o que você faz de bom??



Seja honesto. Tenha consciência. Olhe ao seu redor. Se não puder amar os animais, ter compaixão por eles, basta respeitá-los. Se você acha que não tem nada com isso, ok, basta não atrapalhar quem está trabalhando na causa. É fácil. Você consegue.




quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

MORTO OU VIVO?



"Como tantas vezes já acontecera antes, um dia, vi-me saindo de uma inconsciência total para uma primeira sensação imprecisa de existência. Como das outras tantas vezes, lentamente, com um torpor de tartaruga, aproximava-se fraca a cinzenta aurora do dia da mente. Eu despertava. Uma entorpecida inquietação. Uma vaga sensação de dor. Nenhuma preocupação. Nem esperança. Nem esforço. Nada. Como se estivesse nascendo.

Depois, após um longo intervalo, um tilintar nos ouvidos. Uma sensação de dormência. Um leve formigamento nas extremidades. A sensação agradável de repouso. Os sentimentos despertando. Uma tentativa de pensamento. O primeiro esforço para lembrar-se: o ligeiro estremecimento de uma pálpebra e um choque elétrico de horror indefinido e mortal, que lança o sangue das têmporas para o coração. Outro esforço para lembrar-se. Agora a memória recupera o seu domínio. Tomo conhecimento de minha situação. Sei que não estou acordando de um sono comum. Fora tomado de catalepsia. Finalmente meu espírito é dominado por uma única ideia sinistra, central e mórbida. Perigo!

Por alguns minutos a ideia tomou conta de mim. Permaneci imóvel. Não conseguia reunir coragem para mover-me. Não ousava nada, paralisado pelo medo. Medo do destino. Eu sabia. Ele era inevitável.

O desespero - apenas o desespero - impeliu-me, após longa hesitação, a mover minhas pesadas pálpebras. Abri os olhos. Estava escuro. Tudo muito escuro Agora eu sabia que o ataque já passara. Sabia que recuperara todas as minhas faculdades. Eu poderia ver. E não enxergava porque estava tudo escuro. Era aquela intensa, negra e completa Noite que dura para sempre. Tentei gritar. Meus lábios e minha língua ressecados moveram-se, mas nenhum som de voz saiu. Os pulmões pareciam oprimidos pelo peso de uma incomensurável montanha. Coração e pulmão arfavam, palpitavam. Latejavam.

Ao esforço de gritar, vi que os maxilares estavam amarrados como sempre acontece com os mortos.

Senti que repousava em alguma coisa dura. E duros também eram os lados. Elevei os braços acima do meu corpo e senti baterem numa sólida tampa de madeira, que subia acima do meu rosto a pouca altura.

 Não havia mais dúvida. Eu fora encerrado num caixão.

Pensei então em minhas precauções. Fiz movimentos e a tampa não cedeu. Procurei a corda do sino que devia estar amarrada aos meus pulsos. Não consegui encontrá-la. Não havia acolchoado. E às minhas narinas chegou repentinamente o cheiro forte da terra úmida. Eu não estava na galeria de minha família. Caíra com o ataque longe de casa, entre estranhos. Não podia me lembrar como nem quando. Mas sabia que me haviam enterrado como a um cão, num caixão, em alguma cova funda, vulgar, sem epitáfio. E para sempre.

Quando me convenci disso, tentei gritar de novo. E consegui. O grito saiu longo, prolongado, selvagem. De agonia, de desespero, de terror. Tão forte que ressoou através da Noite subterrânea."

Trecho do conto Enterro Prematuro, do livro Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe. Tradução e adaptação de Clarice Lispector, Ediouro, 2005


 

 

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Escombros, tijolos e quedas.

1. A casa de Usher caiu por causa das infiltrações e das maldições.

2. Lucifer caiu por causa da vaidade.

3. As fadas cairam da copa dos carvalhos por Amor.

4. O operário caiu do poste porque estava pensando em futebol. Arrebentou a cabeça na guia e os miolos se espalharam pela calçada.

5. Ismália caiu porque quis ver a lua do mar.

6. A construção caiu por causa das rachaduras e o trabalhador está sob escombros. Ele era mais um tijolo na parede.

7. 7 abutres pousaram suavemente sobre a montanha de escombros.

05/12/13

domingo, 18 de agosto de 2013

Poema: Maya


      MAYA





A aparição do espelho é realidade sólida.
A toxina no fígado também é sólida.
Os objetos que caem atrás da estante também são reais e existem.
Aquele vento que sacode a cortina da janela da sala é real.
O delicadíssimo néctar das flores existe.
As substâncias tóxicas lançadas no ar são reais.

A toxina está lá no fígado.
O clipe caiu atrás da estante.
A aparição está no espelho.

O deslizar da urna para dentro da carruagem é apenas um som, mas existe.
A ausência existe e corporifica.
Tudo isso é sólido, solitário e solene, inclusive a aparição.

O que não existe são as recordações.
A percepção do mundo é apenas recordação.
Logo, não existe percepção do mundo.

Para atravessar o espelho, tem que ser Alice, Alice existe.
A aparição do espelho não é apavorante.
Apavorante é a ausência.

Poema: Sr. e Sra Burns


 SR. E SRA. BURNS


Todos os dias, pontualmente às 18h30min, o Sr. Burns chega em casa, após exaustiva jornada de trabalho.

Pontualmente, às 19h30min, a sra. Burns já está com o jantar servido.

Rigorosamente às 20h30min, a cozinha já está brilhante e impecavelmente arrumada. O Sr. e a Sra. Burns estão no escritório, fazendo ponderações sobre o orçamento doméstico.

As 21h30min, o Sr. e a Sra. Burns já estão com seus trajes de dormir e seus chinelos beges, sentados em seus confortáveis sofás, assistindo atentamente a um programa religioso na TV. O único compatível com a elevada moral do Sr. e da Sra. Burns.

Exatamente às 23h30min, o Sr. e a Sra. Burns já estão posicionados em sua cama Box: ele à direita e ela à esquerda. Ela se deita por último e desliga o abajur de cor azul clara. Dão-se um boa noite, viram-se e imediatamente pegam no sono.

Estão agora de volta ao único e verdadeiro encontro.


Inexoravelmente.

Poema: A náusea tem etapas?


 A NÁUSEA TEM ETAPAS?



A primeira etapa é como um trator sobre a sua cabeça.

Todos os rostos são os de Francis Bacon.
Todos os andares são os de Nosferatu.
Todos os balançares de cabelo são os da Medusa.
Todas as gesticulações são as de Alien.
Todas as palavras são as de Augusto dos Anjos.
Todos os sons são os da ambulância.
Todos os cheiros são os do esgoto.

Da segunda etapa em diante, o choque já não vem mais, apesar do horror aumentar e ficar agudo.

A boca ainda está cheia de dentes?
A cabeça ainda tem fios?
As mãos ainda carregam o fardo?
Os pés ainda suportam tudo?
As narinas ainda puxam o veneno?
Os olhos ainda não se fecharam?
O sexo ainda reverbera?

Graças a Deus, assim veio o cheiro de flores.
Graças a Deus, assim veio a cera chorosa das velas.
Graças a Deus, assim veio o silêncio.

Poema: Histórias Ordinárias


Edgar Allan Poe



HISTÓRIAS ORDINÁRIAS


As Histórias Extraordinárias de Poe são agora ordinárias.
Ninguém mais precisa ler Poe, ele está envergonhado.
A casa de Usher caiu em Manhanttan em 11 de setembro de 2001.
A polícia ainda não sabe qual é a cara de Jack, o estripador; mas a de Misael Bispo, sabe.
A laranja é mecânica porque os laranjais foram envenenados.


Arrastaram um menino de 6 anos pela avenida.
Arrastaram uma cachorrinha prenha pela avenida.
Laçaram, arrastaram e destroncaram um pobre bezerro pela arena (e ganharam 100 mil de prêmio para isso).
Jogaram uma menina de 5 anos pela janela.
Incendiaram um índio na rua só de brincadeira.


HISTÓRIAS OR-DI-NÁ-RIAS.


Porque ordinários são Jason e Fred Kruger: viraram brinquedinhos.
Ordinário é o chapéu azul do General Custer.
Ordinário é o bisturi do Dr. Josef Mengele.
Ordinário é o sangue no carro dos Nardoni.


Outro dia, Norman Bates foi visitar Chico Estrela e Guilherme de Pádua mandou lembranças aos dois.
O dr. Hannibal, o canibal, é o novo analista do goleiro Bruno.
Agora sim, Zeus pode mandar libertar Kraken.